Sem Educação Física no 1.º Ciclo, estamos a roubar o futuro das crianças!
O futuro do Basquetebol depende do movimento.
Todos os treinadores responsáveis pela orientação de equipas dos escalões de formação no basquetebol manifestam, com razão, uma crescente preocupação face ao acentuado atraso nas destrezas físicas dos seus atletas.
O mestre Teotónio Lima referia, num dos seus artigos publicados no jornal A Bola, que muitos jovens “não sabiam pisar o terreno”, ou seja, não sabiam correr, saltar, parar subitamente, manter o equilíbrio, correr de costas, mudar de direção em movimento, coordenar os braços, entre outras ações básicas.
É evidente que não dominam estas capacidades porque não as executam com naturalidade e à vontade — simplesmente porque não as aprenderam na idade certa.
Os tempos mudaram. Antigamente, passávamos o dia na rua a brincar e a jogar. Eu, que sou do Bairro de Alvalade, lembro-me bem de passarmos as tardes a replicar práticas desportivas mal saíamos da escola.
Hoje, tudo é diferente. Muitos jovens nunca participaram em jogos tradicionais como o "agarrar", o "bate e foge" ou o "jogo do eixo", entre tantos outros que, de forma lúdica, construíam o repertório motor essencial para mais tarde se aprender, sem dificuldade, as habilidades específicas de qualquer modalidade desportiva.
Esse repertório motor era a base para aprender a correr com bola, driblar, saltar em corrida e executar os gestos técnicos de cada desporto.
Não será por acaso que, naquela época, tantos desportistas de sucesso saíram do Bairro de Alvalade, confirmando a máxima: todos os grandes desportistas tiveram infâncias felizes.
A infância sentada: como estamos a roubar o movimento às crianças
O sedentarismo da vida moderna afeta profundamente os tempos livres e as atividades lúdicas das crianças. A maioria passa horas excessivas ao telemóvel ou ao computador, muitas vezes em total inatividade física.
Recentemente, o Professor Carlos Neto alertou:
"As crianças estão a ser bombardeadas sensorialmente. É necessária uma reflexão sobre como estão a ser seduzidas e capturadas para viver grande parte do seu quotidiano frente aos ecrãs, passando muitas horas sentadas, completamente hipnotizadas. As crianças passam mais tempo a viver o corpo na ponta dos dedos do que a mexê-lo na sua totalidade!"
Contudo, esta preocupação não é nova. Já no passado o Professor Teotónio Lima escrevia, com igual apreensão:
"As crianças e os jovens não podem aprender a pisar o terreno, a mexer na bola, nem a jogar com o movimento se a oferta de atividades físicas tender para a hipnotização cultural que imobiliza o corpo."
Estas reflexões mostram, com clareza, que o desafio é antigo, mas tornou-se mais urgente. A crescente imobilidade das crianças compromete o desenvolvimento motor e, com ele, a aprendizagem desportiva e o bem-estar global. Urge, portanto, repensar o espaço que damos ao movimento e ao brincar no quotidiano das novas gerações.
No dia em que a Internet parou... as crianças voltaram a brincar
Durante o recente apagão que deixou Portugal sem “internet” por um dia, observaram-se efeitos surpreendentemente positivos no comportamento das crianças, especialmente no contexto escolar. A interrupção forçada da tecnologia provocou uma rutura nas rotinas, mas abriu espaço para formas de interação mais genuínas e enriquecedoras.
Sem acesso a dispositivos eletrónicos, as crianças recorreram à imaginação e ao jogo espontâneo. Brincadeiras tradicionais, histórias em roda e jogos físicos substituíram os ecrãs, promovendo criatividade, atenção ao presente e maior envolvimento com o ambiente e com os colegas.
Este episódio reforça os argumentos a favor da proibição ou regulação dos telemóveis nas escolas. Sem distrações digitais, as crianças comunicam mais entre si, envolvem-se em jogos coletivos e desenvolvem empatia, cooperação e sentido de grupo. Também se observa maior concentração nas aulas e um ambiente mais sereno e colaborativo.
É essencial, em casa e na escola, estabelecer limites claros para o uso do telemóvel, privilegiando tempos de brincadeira livre e atividade física.
Estudos confirmam que crianças mais ativas no recreio apresentam melhor capacidade de concentração em sala de aula.
O movimento não é apenas benéfico para a aprendizagem — é um antídoto contra o sedentarismo e uma base essencial para a saúde física e mental infantil.
Sem movimento na escola, não há formação no clube
Pouco adianta ensinar técnicas básicas de basquetebol a crianças que não possuem uma formação motora global adequada. Sem uma base sólida de movimento, não há verdadeira aprendizagem desportiva — apenas repetição sem sentido nem progressão.
Portugal é, infelizmente, o país da União Europeia onde menos se pratica desporto. Apesar da tradição associativa e da força dos clubes locais, a base do sistema deve ser a escola, pois é o único espaço onde todas as crianças estão incluídas por direito e obrigação.
No entanto, o 1.º ciclo do ensino básico em Portugal continua a não garantir uma Educação Física estruturada. Em vez de uma disciplina com carga horária definida e professores especializados, temos a vaga "expressão físico-motora", muitas vezes lecionada por professores generalistas sem formação específica na área.
Além disso, há escassez de recursos humanos qualificados, falta de infraestruturas adequadas (como ginásios ou pavilhões), e as AECs — quando existem — são frequentemente asseguradas por técnicos externos, com pouca continuidade e variabilidade na qualidade da oferta.
Esta realidade representa uma falha política grave. A ausência de Educação Física consistente no início do percurso escolar contribui diretamente para o aumento do sedentarismo e para um défice de competências motoras fundamentais.
A solução começa na escola, com a integração plena da Educação Física no currículo do 1.º ciclo, com professores especializados, espaços adequados e continuidade no ensino do movimento. Só assim os clubes poderão depois desenvolver talento, e não apenas corrigir carências.
3x3 nas Escolas: um salto contra a iliteracia motora
Com a recente dinamização da Federação Portuguesa de Basquetebol (FPB) e a atuação presente e estratégica do novo Diretor Técnico Nacional, o projeto 3x3 nas Escolas Básicas ganha novo impulso e potencial para se afirmar como uma ferramenta educativa de grande impacto. Apesar de um arranque mais lento do que o desejado, a sua relevância permanece incontestável, sobretudo num contexto em que a iliteracia motora entre os jovens portugueses representa um dos principais desafios à saúde e ao desenvolvimento integral.
Com o apoio da FIBA Europa, através do Youth Development Fund, o projeto introduz o basquetebol no currículo escolar de forma inédita, através das Atividades de Enriquecimento Curricular (AEC’s) e com o envolvimento de docentes e clubes locais. Destinado a alunos do 3.º e 4.º anos, o programa prevê uma sessão semanal e a realização de dois minitorneios de 3x3 por ano, seja no formato intraescolar, interescolar ou interagrupamentos.
O formato 3x3, pela sua simplicidade, baixo custo logístico e carácter lúdico, é perfeitamente adequado ao ambiente escolar, incentivando a prática desportiva regular e prazerosa. Para além de promover o basquetebol, contribui de forma direta para o desenvolvimento da coordenação motora, agilidade, equilíbrio e capacidade de decisão — competências fundamentais na formação física e cognitiva das crianças.
A formação de professores, o fornecimento de material e a articulação com os clubes locais transformam o 3x3 num elo eficaz entre escola, comunidade e desporto federado. Mais do que um instrumento de massificação da modalidade, este projeto pode ser um verdadeiro motor no combate à inatividade física e à iliteracia motora, ao serviço da saúde, da educação e do futuro dos jovens em Portugal.
Educação Física obrigatória já no 1.º Ciclo
Os especialistas em educação e desporto defendem que a Educação Física deve ser obrigatória no 1.º ciclo, com carga horária definida e professores especializados a trabalhar em articulação com os docentes titulares.
Recomendam também formação contínua dos profissionais e investimento em infraestruturas escolares adequadas. Sublinha-se a necessidade de programas nacionais estruturados, como o 3x3, para promover hábitos ativos desde cedo.
As AECs, embora úteis como introdução, não garantem continuidade nem qualidade pedagógica.
A atividade física deve integrar o currículo como componente essencial da educação.
O que propõem os partidos políticos
Os partidos que defendem a Educação Física em toda a escolaridade, com base nos seus programas eleitorais, incluem o PCP, que propõe explicitamente a implementação da Educação Física em toda a escolaridade, além de reforçar o desporto escolar e apoiar o desporto adaptado e a formação de técnicos.
O Livre também defende essa ideia, com a proposta de um reforço da Educação Física ao longo da escolaridade, incluindo o apoio ao desporto feminino e adaptado, além de deduções fiscais para a prática desportiva.
O BE, por sua vez, tem uma posição parcial, focando na valorização do desporto escolar, na formação de docentes, na criação de parcerias entre clubes e escolas, e na proposta da figura jurídica “Mais Desporto, Melhor Escola”, mas sem uma menção explícita à Educação Física em toda a escolaridade.
Mantenho a esperança de que a minha amiga Inês Barroso, deputada ativa e atenta à realidade do país, consiga sensibilizar e mobilizar os restantes representantes da nação para esta urgência: integrar de forma plena e estruturada a Educação Física no 1.º ciclo. É tempo de colocar a saúde e o desenvolvimento motor das crianças no centro das decisões políticas.
Como tão bem dizia o Professor Teotónio Lima, é urgente que a voz dos técnicos chegue a quem toma decisões — porque estes problemas tocam não só o desporto, mas o futuro das nossas crianças.
Impressionante, o quanto as telas vem roubando as oportunidades de experiências que crianças e adolescentes irão levar pra vida. Inclusive, há famílias, como escrevi essa semana, que reclamam por dispositivos digitais desde a pré-escola. Esquecem que há outras coisas mais importantes pra se vivenciar na Educação Infantil, a exemplo, do movimentar-se... E não consumir precocemente píxeis nas telas nos ambientes escolares. Parabéns pela brilhante reflexão Mário Silva!