Em todas as frentes do basquetebol nacional, da competição sénior, como a Proliga, às provas de formação, como os campeonatos e Taças Nacionais, algo de surpreendente está a acontecer.
Sopram ventos de mudança.
Clubes modestos, muitos deles oriundos do interior do país, com recursos limitados, mas com um compromisso inabalável com a formação, a comunidade e os valores do jogo, estão a conquistar títulos.
Desafiam o domínio tradicional dos grandes centros urbanos e provam, com resultados concretos, que o talento, o trabalho e a paixão não conhecem geografia.
A Chamusca faz parte dessa mudança.
No Campeonato Nacional Sub-14 Feminino, a Chamusca Basket Clube surpreendeu tudo e todos ao sagrar-se campeã nacional.
Fê-lo de forma categórica: venceu todos os jogos e demonstrou uma consistência competitiva que não deixou dúvidas.
Mas esta conquista é muito mais do que um título. É o reflexo de um trabalho sério e sustentado, feito com dedicação, empenho e verdadeiro espírito de equipa, das jovens atletas, do treinador Ricardo Martinho e, inevitavelmente, de Manuel Azevedo, que há anos é a alma do clube e um pilar do basquetebol na vila.
Tive o privilégio de comentar, na RTP2, a final masculina entre Benfica e FC Porto, e não deixei passar em branco o feito da Chamusca. Em direto, referi expressamente a importância de dar visibilidade nacional a estas vitórias, a estas histórias de superação, como a da Chamusca Basket, mas também dos Tubarões de Quarteira e outros clubes que, longe dos holofotes, estão a mudar o panorama do basquetebol português.
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Ao longo dos anos, nas provas nacionais, era comum aparecer um ou outro “iluminado” da cidade a pôr em causa o mérito das equipas do Manel.
“Defendem à zona…”, “são muito agressivos…”, “os árbitros apitam para a casa…”. E sempre que perdiam, lá vinham as queixas. Nunca um reconhecimento. Nunca um elogio ao que verdadeiramente se construía.
Revoltava-me. Porque essa gente, habituada às facilidades da cidade, nem sonha, ou não quer saber das dificuldades de treinar, jogar e formar atletas com tão poucos recursos, numa vila do interior. Mas o Manel sabia. E fazia. E continua a fazer.
Hoje, com justiça, também são campeões. E que se saiba: há vitórias que valem muito mais do que um troféu. São conquistas que honram uma terra, uma ideia de formação, e a crença de que, com trabalho e paixão, tudo é possível, mesmo longe de tudo.
Das vezes que tive o prazer de ajudar os jovens da Chamusca no Campo Internacional de Verão, dizia-lhes sempre, sem hesitar:
“Com tão pouca gente e tão longe de tudo… o que o Manel faz aqui é um milagre.”
Hoje, esse milagre ganhou forma concreta: um título nacional. E, finalmente, o Manel pode saborear essa vitória com justiça, depois de tantos anos de entrega silenciosa, muitas vezes longe dos grandes palcos, mas sempre perto do que realmente importa: os jovens, o jogo e a verdade do basquetebol.
Agora, seria bom que alguns, que se intitulam formadores, mas vivem apenas de recrutar onde já há talento, não viessem desvalorizar esta conquista nem estragar a alegria legítima das gentes locais. Seria também de inteira justiça reconhecer o papel do Município da Chamusca, sempre presente e ativo neste caminho de crescimento sustentado.
Porque há conquistas que são muito mais do que um resultado.
São o reflexo de anos de entrega, de resistência silenciosa, e de um amor profundo à camisola.
Parabéns, Chamusca. Parabéns, Manel.
Um Clube do povo: O Vasco está de volta
Duas décadas depois, o SC Vasco da Gama regressa ao escalão principal do basquetebol português.
Um feito histórico, consumado com a conquista do título da Proliga — e celebrado com o entusiasmo que só um clube de raízes profundas e identidade forte consegue mobilizar.
Fundado em 1920, no coração do popular Bairro do Herculano, no Porto, o clube nasceu da iniciativa de um grupo de jovens operários que procuravam, no desporto, uma forma digna e saudável de ocupar os tempos livres.
Desde então, o Vasco foi construindo um caminho marcado pela resiliência, pelo associativismo popular e por uma entrega total à prática desportiva — com o basquetebol como bandeira.
A minha primeira memória viva do clube remonta a um estágio de preparação para a competição da FISEC, com a formação de uma seleção nacional de juniores orientada pelo Prof. José Araújo. Tive a sorte de ser escolhido para esse grupo.
Lembro-me bem de um jovem do Porto que se destacava nitidamente entre todos nós: o Aniceto Nogueira (#9), do Vasco da Gama. Jogava à Vasco: agressivo, genicoso, rápido, tecnicamente evoluído, com um lançamento exterior rápido e eficaz. Como bem disse o Jorge Adelino, que também integrava essa seleção, o Aniceto tinha algo diferente.
A partir daí, a ligação ao Vasco da Gama passou a ser constante. Como jogador (no Benfica), mais tarde como treinador (no Belenenses), fui reencontrando o clube em várias ocasiões. E em todas elas, o Vasco mantinha-se fiel a um modelo de jogo muito próprio — baseado na agressividade, na determinação, no coletivismo, mas também numa forte aposta nos fundamentos técnicos e na liberdade criativa individual.
Essa identidade ainda hoje se mantém. Impressionava (e impressiona) a capacidade de se imporem como um coletivo coeso, com uma velocidade de execução incomum e uma entrega ao jogo que os distinguia dos demais.
Guardo com especial estima as palavras do Prof. José Araújo, ao refletir sobre aquele modelo de jogo “à Vasco” que muitos, na altura, não compreenderam:
“Muito mais moderno do que parecia. Muitos de nós pensávamos que quem jogava eram os treinadores… e não os jogadores. Olhando para trás, quase coro de vergonha por não ter percebido naquele modelo o futuro do basquetebol: 1x1, 2x2, penetrações em drible, lançamentos de campo sem medo, ritmo elevado, decisões no momento.”
Esse espírito foi herdado de grandes referências humanas e desportivas como o Alves Teixeira — verdadeiro pedagogo popular — e depois pelo Sr. Manuel Nunes, dirigente incansável, que deram ao Vasco uma filosofia humanista, onde o desporto estava ao serviço das pessoas.
Sempre admirei no Vasco a capacidade de fazer muito com tão pouco, movido por um profundo orgulho de pertença e por uma cultura de superação coletiva. Desde que vim para o Porto, em 1978, habituei-me a olhar para o clube como um modelo nacional do que o associativismo popular pode fazer em prol do desporto, sobretudo junto dos jovens menos enquadrados socialmente, menos visíveis, mas igualmente sedentos de oportunidades.
Por isso, este regresso ao topo não é apenas uma vitória desportiva.
É um regresso de valores, de raízes, de uma forma de viver e de ensinar o jogo.
É o reconhecimento de que o esforço persistente, mesmo longe dos holofotes, constrói legados duradouros.
Uma lição para todos: que com orgulho, formação, valores e espírito coletivo, é possível vencer… mesmo contra todas as probabilidades.