Henrique Pina: o treinador revelação que está a surpreender na Liga Betclic
Entre os grandes, com ideias próprias.
Num campeonato marcado pelo investimento crescente e pela presença dominante de equipas com estruturas técnicas alargadas e plantéis recheados de estrangeiros, o trabalho de Henrique Pina ao leme do Galitos Barreiro tem-se destacado como um dos casos mais notáveis da presente temporada.
Onde Tudo Começou: A Primeira Memória de Henrique Pina
A minha primeira recordação do Henrique Pina remonta à época de 1986/87, altura em que, como responsável pelos escalões de formação da FPB, organizei os Torneios Abertos Nacionais.
No escalão de Minibasquete, procurámos ir muito além das recentes iniciativas tradicionais da Federação, como o Jamboree Nacional ou a Festa de Paços de Ferreira para seleções. Promovemos não só Jamborees nacionais e internacionais, mas também um ambicioso Torneio Nacional Aberto — que, na prática, funcionava como um verdadeiro Campeonato Nacional de Clubes.
Este evento contou com uma participação massiva de jovens atletas, de ambos os sexos, oriundos de clubes e associações de todo o país.
“Na final do concurso técnico “Cesto de Ouro”, destacou-se o jovem Henrique Pina, então jogador do Barreirense, que conquistou o primeiro lugar”.
A fase final do Torneio Nacional teve lugar em Ovar e reuniu os vencedores das quatro zonas representadas pelo F.C. Porto, Ovarense, CJAR de Vila Franca de Xira e Barreirense — este último acabaria por conquistar o título.
Entre os jogadores em evidência estiveram Henrique Pina (Barreirense), Nuno Manarte (Ovarense) e Nuno Marçal (F.C. Porto).
A Diferença Entre a Estrutura Ideal e a Realidade no Galitos
Numa estrutura ideal, uma equipa técnica de basquetebol é composta por um grupo multidisciplinar: treinador principal, treinadores-adjuntos, preparador físico, fisioterapeuta, médico e analista de vídeo. Este modelo garante uma abordagem integrada ao desenvolvimento dos atletas e à preparação da equipa.
Contudo, no Galitos Barreiro, a realidade está longe desse cenário ideal. Henrique Pina acumula praticamente todas as funções — da análise dos adversários à preparação e condução dos treinos — assumindo o papel de verdadeiro “homem dos sete ofícios”. A ausência de uma estrutura de apoio limita não só o planeamento como também o acompanhamento individualizado dos jogadores, sobretudo os que treinam de manhã.
Acresce ainda que o treinador não é profissional. Levanta-se todos os dias às 6h00 para cumprir o seu horário laboral e, após um dia inteiro de trabalho, dirige-se diretamente ao pavilhão para orientar treinos a partir das 18h00.
A dedicação é admirável, mas a situação é insustentável. Exige reflexão profunda por parte da estrutura do clube — e, mais do que isso, ação.
De Jogador a Treinador: A Transição Bem-Sucedida de Henrique Pina
Ser um grande atleta não é, por si só, garantia nem base suficiente para ser um bom treinador. Um jogador de alto nível adquire, sem dúvida, conhecimentos valiosos através da preparação e da competição, mas o exercício da função de treinador exige competências muito diferentes: saber ensinar, planear, comunicar, liderar, adaptar-se, analisar e, acima de tudo, desenvolver os outros. A experiência como jogador pode ser uma vantagem, mas necessita de ser complementada por formação contínua, reflexão crítica e prática específica de treino.
Henrique Pina é um exemplo claro de alguém que soube fazer essa transição com sucesso. Antes de abraçar a carreira de treinador, foi jogador profissional, destacando-se na posição de base. Representou vários clubes portugueses — entre eles o Barreirense, Illiabum, Vitória FC, Benfica e Galitos — durante as décadas de 1990 e 2000. Essa vivência enquanto atleta contribuiu significativamente para a sua abordagem como treinador, fornecendo-lhe uma visão prática, estratégica e profundamente enraizada na realidade do jogo.
No Barreiro, o basquetebol sempre foi uma modalidade de referência, com muitos praticantes e um ambiente competitivo. Henrique cresceu nesse contexto, integrando equipas com um forte espírito de grupo e uma cultura de vitória.
Como ele próprio reconhece, "uma coisa leva à outra", e teve a oportunidade de competir em formações muito exigentes, onde se valorizava o trabalho coletivo e a ambição.
Para ser um treinador competente, é fundamental aliar a experiência prática ao estudo e à reflexão. Quem nunca viveu o desporto nas suas várias dimensões — treino, competição, superação, adaptação — terá sempre maiores dificuldades em compreender verdadeiramente o que está em jogo. Nesse sentido, a vivência intensa de Henrique no desporto, aliada à sua formação, moldou-o enquanto treinador.
Ao longo da sua carreira como jogador, teve a sorte de aprender com alguns dos melhores treinadores portugueses, como Mário Palma, José Curado e Olímpio Coelho, entre outros — uma mais-valia inegável para a sua evolução pessoal e profissional. Essa herança, combinada com a sua dedicação ao ensino e à liderança, faz de Henrique Pina um treinador que soube transformar o saber vivido em saber aplicado.
Gestão de Estrangeiros: Um Desafio Adicional para o Galitos
Numa Liga onde cada equipa pode inscrever até seis jogadores estrangeiros, o Galitos optou, desde o início da época, por seguir um caminho distinto: alinhou com apenas cinco. Esta decisão estratégica, ajustada à realidade do clube, manteve-se sustentável até que, a 15 de março, surgiu um contratempo de peso.
Após a vitória frente ao Sporting, Elijah McCadden — melhor marcador da equipa e peça-chave no desempenho ofensivo — recebeu uma proposta aliciante da Polónia e transferiu-se, reduzindo o contingente estrangeiro para quatro jogadores. Segundo os regulamentos da FPB, o clube ficou impedido de inscrever qualquer substituto até ao final da época.
A situação agravou-se em Abril, quando um dos quatro estrangeiros remanescentes sofreu uma lesão, deixando o Galitos com apenas três atletas estrangeiros disponíveis para competir.
Apesar destas limitações — menos opções, maior desgaste físico e perda de talento determinante — a equipa manteve-se competitiva em todas as frentes. Este desempenho, sustentado na organização, no compromisso coletivo e na liderança de Henrique Pina, é reflexo de uma preparação rigorosa e de uma cultura de resiliência.
Mesmo com um plantel mais curto e perante adversidades sucessivas, o Galitos provou que consistência, identidade e competência valem tanto quanto nomes no boletim de jogo.
O Impacto de Henrique Pina no Galitos: Uma Reviravolta Competitiva.
Quando Henrique Pina assumiu o comando técnico do Galitos, a 2 de janeiro, a equipa encontrava-se numa situação delicada: ocupava o 10.º lugar da classificação, com apenas 3 vitórias e 7 derrotas.
Tive a oportunidade de comentar esse jogo na RTP2 e, apesar da boa réplica frente ao FC Porto, confesso que pensei que a tarefa de Pina seria extremamente desafiante — e que evitar a descida já seria, por si só, um feito digno de registo.
Contudo, o que se seguiu foi uma reviravolta competitiva notável.
No campeonato, o Galitos somou 7 vitórias e apenas 4 derrotas, subindo à 6.ª posição e garantindo um lugar nos “playoffs”, onde irá defrontar o Sporting. Paralelamente, obteve bons desempenhos Taça de Portugal, e garantiu presença na Final Six da Taça Hugo dos Santos .
Desde a entrada de Pina, o balanço global da equipa é de 10 vitórias e 6 derrotas — todas elas frente a adversários do topo da tabela: duas contra o Benfica, duas diante da Oliveirense, uma frente ao FC Porto e uma diante do Vitória de Guimarães.
É nestes contextos que se revelam os verdadeiros treinadores. Sem desculpas. Sem holofotes. Apenas trabalho. Saber ler o adversário, criar planos de jogo simples e eficazes, preparar a equipa e liderá-la com clareza e propósito — esse é o dever ético de qualquer treinador. Porque nenhuma concepção de jogo terá sucesso se os jogadores não souberem interpretar e executar com eficiência os princípios básicos do jogo.
Henrique Pina é, sem dúvida, uma das grandes figuras desta temporada. Um verdadeiro treinador-revelação que demonstra que o talento, a liderança e a visão não dependem de orçamentos — dependem de coragem, competência e compromisso.
O seu percurso à frente do Galitos é prova de que, mesmo em contextos adversos, é possível criar uma cultura de exigência e crescimento coletivo.
Os objetivos são claros: lutar pela vitória em cada jogo, alcançar o melhor resultado possível e elevar a fasquia competitiva do grupo. E, até agora, Pina tem cumprido esse desígnio com distinção.