Formar não é recrutar
Transferências precoces fragilizam a formação e o equilíbrio competitivo.
Nos últimos anos muitos clubes de formação em Portugal têm expressado uma preocupação legítima: a facilidade com que jovens atletas mudam de clube, frequentemente sem um critério desportivo claro ou respeito pelo processo de formação em curso.
Todos os anos perdem os seus jogadores mais talentosos e promissores para clubes maiores, gerando frustração entre treinadores, dirigentes e colegas de equipa. Este fenómeno contribui para um desequilíbrio competitivo, onde dois ou três clubes dominam as competições associativas, muitas vezes recrutando jogadores oriundos de várias regiões.
Houve um tempo em que a progressão no basquetebol se fazia com paciência e identidade: treinava-se arduamente num clube local, evoluía-se ao longo dos anos e, com trabalho e alguma sorte, podia-se alcançar a liga principal, frequentemente com jogadores “da casa”.
Hoje prevalece outra lógica, a cultura da mobilidade, inspirada no modelo americano, muitas vezes chamada de “efeito LeBron James”, instalou-se também entre nós: “mudo de clube porque quero ganhar um título”.
Não se trata de limitar a ambição dos jovens atletas, mas sim de refletir sobre o que valorizamos enquanto comunidade desportiva. Se a formação passa a ser substituída por uma lógica de recrutamento precoce, que espaço resta para o trabalho a longo prazo, para a pedagogia paciente e para a fidelização dos jovens ao clube que os viu crescer?
É evidente que os clubes com melhores condições, e aqui não me refiro apenas a recursos financeiros, mas também a quadros técnicos, estrutura e filosofia de treino, tendem a formar os melhores jogadores.
Porém, os clubes de base continuam essenciais: descobrem talentos, acolhem iniciantes, motivam jovens e formam caráter. Esses clubes precisam não só de ser valorizados, mas também recompensados pelo papel fundamental que desempenham no desenvolvimento do basquetebol.
Normas e períodos de transferência de atletas no basquetebol de formação
A Federação Portuguesa de Basquetebol, em conformidade com o Regulamento de Inscrições e Transferências , aceita e defere a maioria dos pedidos de transferência de atletas que pretendem mudar de clube.
Este regulamento tem como objetivo garantir a proteção dos direitos tanto dos atletas como dos clubes. Os atletas que não estão vinculados por contrato, mas apenas por inscrição e licença desportiva, podem transferir-se livremente no final da época desportiva, ou durante os períodos regulamentares, desde que exista acordo entre os clubes.
Nos escalões de formação, os atletas Sub14, Sub16 e Sub18 podem transferir-se entre 1 e 15 de janeiro, desde que haja acordo entre clubes, mudança de residência comprovada para mais de 20kms, tenham realizado no máximo seis jogos oficiais e o novo clube esteja situado na área correspondente à nova residência.
Entre 15 e 28 de fevereiro, são permitidas transferências de menores de idade se houver acordo entre os clubes e o clube de destino não competir a nível nacional. No caso do Minibasquete, as transferências podem ocorrer em qualquer momento da época, sendo apenas necessário o acordo entre os clubes envolvidos.
Vale de pouco o código de ética
Apesar das diretrizes do Plano Nacional de Ética no Desporto, os clubes continuam a perder os seus melhores jovens atletas.
O PNED promove valores como justiça, responsabilidade e compensação pelo trabalho de formação.
No entanto não tem força legal sobre transferências.
A Federação Portuguesa de Basquetebol possui regulamentos, mas a sua aplicação ética é frágil.
Na prática, os princípios defendidos são frequentemente ignorados.
Taxa e Taxinhas: Quando Regular é Desregular
No início da época os clubes foram surpreendidos pela introdução de uma taxa adicional de inscrição, de cariz administrativo, aplicada à mudança de atletas entre clubes.
Apresentada como uma forma de conter o número excessivo de transferências, a medida revelou-se rapidamente ineficaz e até contraproducente. Com um valor demasiado baixo para exercer qualquer efeito dissuasor real, as transferências mantiveram-se ao mesmo ritmo ou até aumentaram.
O resultado foi a continuação da instabilidade: clubes formadores viram os seus melhores atletas saírem em massa, levando muitos a encerrar escalões inteiros por falta de jogadores. Por outro lado, clubes recrutadores passaram a dispensar com mais facilidade os atletas menos promissores, tratando-os como descartáveis num sistema que deveria formar, não explorar.
A taxa, aplicada de forma cega e uniforme, ignorou o contexto e as realidades distintas de cada clube. Em vez de promover equilíbrio, acentuou desigualdades; em vez de fomentar cooperação, gerou fricções; e em vez de proteger quem investe na formação, penalizou injustamente os que mais contribuem para o crescimento do basquetebol de base.
É preciso dizer com clareza: a medida falhou nos seus objetivos. Não trouxe justiça, não regulou com inteligência e não beneficiou diretamente os clubes que mais precisam de apoio.
Se o objetivo é realmente regular com justiça, é fundamental repensar esta abordagem. Uma sugestão simples seria reinvestir parte da verba arrecadada nos clubes com menos recursos, com critérios claros e transparentes. Que essa taxa, já que existe, sirva para apoiar quem forma, quem resiste e quem mantém viva a base do basquetebol nacional.
O desenvolvimento equilibrado do nosso desporto não se constrói com taxas cegas, mas sim com visão estratégica, ética e cooperação entre clubes.
Boas práticas em indemnizações de transferências no Basquetebol Europeu
O tema das indemnizações nas transferências de jovens jogadores é atualmente muito relevante no basquetebol europeu.
Com base na minha experiência e conhecimento, países como Espanha e Polónia têm regulamentos bem estruturados que poderiam servir de referência para melhorar a nossa realidade.
Transferências no Basquetebol Catalão.
Na Catalunha, os clubes de basquetebol seguem um Código Ético de Conduta na Contratação de Menores, que visa garantir práticas justas e responsáveis na contratação de jogadores jovens.
A Federação da Catalunha de Basquetebol (FCBQ) criou este código para estabelecer princípios claros nas relações entre clubes, assegurando que as transferências de atletas menores ocorram de forma ética e focada no desenvolvimento integral do jogador. Os clubes, através dos seus presidentes, comprometem-se a aplicar e promover esses princípios junto a todos os seus membros, incluindo diretores, treinadores, atletas e famílias.
Recentemente, a FCBQ complementou o Código Ético com um novo regulamento de transferências que introduz taxas de indemnização, reforçando o compromisso com a transparência, a ética e a proteção dos interesses dos clubes formadores.
Para a próxima época, foram estabelecidas taxas específicas, denominadas "recàrrecs" (sobretaxas) aplicadas em situações de recrutamento excessivo de jogadores por parte de um clube ou em transferências realizadas fora dos períodos regulamentares.
A imagem apresenta uma tabela, que vai entrar em vigor em 2025 , detalhada de taxas (“recàrrecs”) aplicáveis às transferências de jogadores no âmbito do basquetebol catalão, estruturada conforme a categoria competitiva dos clubes e o estatuto federativo da licença do atleta.
Estas taxas estão detalhadamente descritas nas “Bases de Competició da FCBQ “e variam conforme três fatores principais: a categoria competitiva do clube de destino, o nível e a idade do jogador transferido, e o número de jogadores recrutados na mesma época.
Além disso, transferências realizadas fora dos períodos regulamentares podem estar sujeitas a taxas (“ recàrrecs”) adicionais, funcionando como um mecanismo de controlo e compensação federativa.
A estrutura da tabela de taxas agrupa as categorias federativas em Júnior (U18), Cadete (U16), Infantil (U14), Preinfantil (U13) e Minibasquete (U12/U10/U8).
Cada escalão, exceto o minibásquete, é dividido em quatro níveis competitivos: Preferente (nível mais alto), interterritorial, 1.º ano e restantes.
No minibásquete, os níveis são simplificados em apenas dois: Categoria A (nível máximo) e restantes.
Exemplo Técnico — Categoria Júnior (U18)
No escalão Júnior (U18) Preferente, para clubes que recrutam jogadores com licença dessa categoria, aplicam-se valores acumulativos de taxas conforme o número de atletas contratados na mesma época.
Os dois primeiros jogadores são isentos de taxa, o terceiro implica uma taxa de 500 €, o quarto 1000 €, o quinto 1200 €, o sexto 1400 €, o sétimo 1600 €, o oitavo 1800 €, o nono 2000 € e o décimo 2200 €.
Dessa forma, um clube que recrute 10 jogadores Júnior Preferente sem formação interna deverá pagar um total de 11.700 € em taxas.
Esta norma visa proteger os clubes formadores e desincentivar o recrutamento massivo, promovendo o desenvolvimento sustentável dos jogadores dentro dos projetos desportivos locais.
Polónia regula transferências com indemnizações
Na Polónia, foi recentemente elaborado um regulamento específico para as transferências de atletas jovens, que introduz as figuras do clube de origem e do clube intermédio — este último definido como a entidade onde o jogador obteve a primeira licença federativa e competiu oficialmente durante pelo menos duas épocas. Esta estrutura visa proteger o processo de formação, especialmente dos atletas considerados como "formados no clube". Assim, não é permitida a mudança de clube até à conclusão do ensino básico.
A taxa está em zloties polacos - PLN, que corresponde mais ou menos a : 1/4 euro = 1PLN
Na primeira transferência, o clube recetor deve pagar uma compensação financeira ao clube de origem, calculada em zloties (PLN) e não reembolsável pelos encarregados de educação.
O valor pode ser negociado entre os clubes e é duplicado se o jogador tiver representado a Seleção Nacional da Polónia em competições oficiais da FIBA, incluindo 5x5 e 3x3.
Fuga de Talentos Europeus para os EUA: FIBA e ACB Tentam Reagir
A fuga de jovens talentos europeus para os EUA tornou-se uma das maiores ameaças ao basquetebol europeu. Jogadores como Hugo González, Eli Ndiaye, Ruben Prey, Jakucionis e Egor Demin são exemplos recentes dessa tendência crescente. Desde 2022, atletas da NCAA podem ganhar dinheiro com os seus direitos de imagem, o que atrai promessas com ofertas milionárias.
Esta nova realidade representa um verdadeiro "saque" ao basquetebol europeu, e alguns clubes veem o processo como irreversível. Real Madrid e Barcelona chegaram a discutir a possibilidade de extinguir as suas “canteras”, o que ilustra a gravidade do cenário.
Como resposta, os clubes europeus pressionaram a FIBA, que propôs a criação de uma "Carta de Autorização" para regular as transferências de jogadores para a NCAA, mas sua aplicação depende da aceitação por parte da própria NCAA.
A FIBA pretende com isso proteger os clubes formadores, orientar melhor os atletas e garantir a sua disponibilidade para seleções nacionais.
Em paralelo, em Espanha, está prestes a ser lançada uma liga de filiais da ACB para jogadores sub22, oferecendo uma alternativa competitiva à ida precoce para os EUA — ainda que essa solução chegue tardiamente.
Conclusão :
O tema é global e faz sentido estudar os modelos de compensação e transferência de jovens jogadores adotados por países como a Polónia e a Espanha o que poderia ajudar a Federação Portuguesa de Basquetebol (FPB) a aperfeiçoar o seu regulamento neste domínio.
Em Portugal, o desporto jovem raramente recebe atenção política, e a principal forma de proteção dos clubes formadores continua a ser o Estatuto de Clube Formador, obrigatório para a celebração de contratos de formação desportiva.
No entanto, o processo para obtenção deste estatuto é bastante exigente, implicando requisitos como a descrição detalhada das instalações, qualificação técnica dos treinadores, apoio médico, planos de treino estruturados e participação regular em competições jovens. Atualmente, poucos clubes possuem este estatuto — e, curiosamente, alguns são os principais recrutadores de talentos.
Este cenário evidencia a necessidade de rever e simplificar o processo, de forma a garantir que mais clubes possam aceder a mecanismos legais de proteção e compensação quando perdem atletas para projetos com maior capacidade de recrutamento.