Desafios das Seleções: lançamentos, leitura de Jogo e formação
Mais do que táticas, é preciso ensinar a jogar
As estatísticas dos recentes jogos internacionais não deixam dúvidas: as nossas Seleções Sub-18 Feminina e Sub 20 Masculina enfrentaram grandes dificuldades no lançamento exterior, especialmente nos triplos.
Na equipa feminina, a eficácia foi de apenas 18,2 % (181 lançamentos, 33 convertidos), enquanto nos masculinos, fizeram 161 lançamentos triplos e marcaram 39 (24,2 %).
Por mais elaborados que sejam os sistemas, cortes e bloqueios, o fator decisivo continua a ser colocar a bola no cesto. Sem isso, todo o plano tático perde eficácia e torna-se apenas “fogo de artifício”.
Como atacar? Primeiro, saber jogar.
As Seleções, enfrentam dificuldades porque não criam muitos lançamentos abertos e se os criam falham frequentemente.
O problema começa com o drible inconsequente do portador da bola, enquanto os colegas ficam parados, esperando o momento de agir, tornando o ataque previsível e lento. O jogo sem bola deveria ser uma sequência natural de leitura e reação, mas isso não acontece provavelmente devido à forma como treinam: focam-se na repetição de movimentos, e não no desenvolvimento da inteligência tática.
Colocar sistemas complexos de seniores em jovens que ainda não dominam os fundamentos é um erro, e é comparável a pedirmos a músicos inexperientes que toquem como uma orquestra afinada. Muitos dos nossos jovens jogadores/as tentam executar as jogadas sem entender o seu propósito, perdendo-se na execução.
O essencial é mesmo primeiro ensinar a jogar, e isso é obviamente trabalho nos clubes : receber com equilíbrio, passar e mover-se com intenção, jogar 1x1 com espaço, driblar com propósito, controlar as paragens e lançar com equilíbrio. Só com essa base é que os sistemas táticos fazem sentido.
Por isso, antes de perguntar “como atacar?”, devemos perguntar: estamos a ensinar a jogar ou apenas a repetir?
Vale a pena lançar tantos triplos ?
A lógica do aumento do número de lançamentos de três pontos baseia-se no valor esperado (EV expected value)) por tentativa, que combina pontos e eficácia.
Por exemplo, um jogador que acerta 37% dos triplos, tem um EV de 1,11 pontos, superior a 1,10 de um lançamento de 2 pontos com 55% de aproveitamento, tornando o triplo mais rentável.
Essa ideia impulsionou a revolução ofensiva do basquetebol atual , com mais triplos e ataques espaçados, para aumentar a produtividade.
O lançamento triplo tem atualmente grande importância, mas se em excesso e com fraca pontaria custa muitas derrotas .
Muitas vezes mais vale lançar de 2 pontos, como penetrações, porque pode oferecer um EV alto, especialmente nos lançamentos com faltas.
O que faz sentido e é crucial é lançar triplos bem selecionados, com aproveitamento acima de 33–35%, e manter equilíbrio entre tiros exteriores e ações próximas ao cesto.
A baixa eficácia das nossas seleções é estrutural, por isso deve-se trabalhar muito a técnica.
Insistir no triplo nos escalões de formação faz algum sentido desde que tenhamos algum critério . Na competição não temos dúvidas a eficácia tem de estar presente.
Por que não corremos e marcamos pontos em contra-ataque?
A resposta para as equipas não correrem em contra-ataque parece simples: não temos a posse da bola. Para atacar rápido, primeiro é preciso recuperar a bola, e isso começa com uma defesa agressiva, organizada e focada na recuperação. Uma boa defesa força o adversário a errar, precipitar lançamentos e perder a posse, gerando roubos de bola e ressaltos defensivos que possibilitam a transição rápida antes que a defesa adversária se organize.
A falta de eficácia no ataque posicional deve ser um incentivo para correr mais e atacar com vantagem, mas isso depende de recuperar a posse.
O contra-ataque inicia-se no esforço defensivo coletivo, na pressão e na leitura do jogo, não apenas no passe de saída.
Por isso, é fundamental avaliar quantas bolas recuperamos, quantos ressaltos defensivos ganhamos e quantas vezes forçamos erros adversários.
Defender é responsabilidade de todos: cada jogador deve comunicar, pressionar e ajudar, formando uma mentalidade coletiva. Só assim controlamos o ritmo do jogo e transformamos defesa em ataque eficaz. Essa atitude é essencial para o sucesso do contra-ataque e da equipa como um todo.
Triplos e Ressalto Ofensivo: O Equilíbrio Essencial para a Eficiência da Equipa
Lançar triplos sem disputar o ressalto ofensivo compromete a eficiência coletiva da equipa. Com o aumento dos lançamentos de três pontos, muitas equipas preferem recuar para defender a transição, perdendo segundas posses de bola e cestos fáceis. Essa estratégia simplifica o jogo e limita as oportunidades de pontuação, tornando o ataque dependente da sorte no triplo. O equilíbrio ideal concilia lançamentos de três com ocupação inteligente dos espaços e compromisso na luta pelo ressalto, definindo funções claras e automatismos coletivos.
As melhores equipas mostram que é possível recuperar a bola após o lançamento, mantendo organização e disciplina.
Lançar bem não basta; saber reagir após o lançamento, no ataque e na defesa, é o que define a eficácia ofensiva moderna.
O desafio do jogo interior
A seleção Sub-18 feminina usou pouco o jogo interior por várias razões: a diferença física e técnica desfavorece o confronto direto; o estilo global da equipa valorizou o jogo exterior e os triplos; há poucos postes com domínio técnico e físico; as defesas agressivas fecham o garrafão rapidamente e o ritmo ofensivo acelerado favoreceu as soluções rápidas no exterior.
Além disso, o treino específico nos clubes para os jogadores interiores é limitado, e a preparação física muitas vezes não acompanha a exigência do jogo dos postes .
A evolução do basquetebol moderno também pede postes mais versáteis e muitas equipas evitam o jogo interior tradicional.
Para mudar isso, é fundamental um trabalho integrado desde a formação, focado na técnica, no físico e na tática.
Não é possível sem jogadores de interior dominantes aumentar a eficácia no cenário internacional.
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A importância da rotina e do treino contextualizado
A consistência nos triplos exige treino diário, técnica apurada e atenção aos detalhes.
Observando jogadores em campos de treino na Catalunha e no Siena College, percebi que o talento não basta: é preciso hábito, repetição e domínio mecânico. Treinar lançamento não é só “atirar bolas” ao cesto, mas executar o gesto com equilíbrio, ritmo e intenção, desenvolvendo memória muscular, confiança e eficácia mesmo sob pressão.
O treino deve começar com o gesto puro, próximo ao aro, focando na técnica antes de avançar para distâncias maiores e situações reais de jogo, como fadiga e pressão mental. Porém, movimentos isolados sem contexto competitivo criam uma “memória muscular” limitada, que pode não funcionar no jogo real, onde há oposição, decisões rápidas e variações táticas.
No triplo, treinar volume sem oposição não garante eficácia; é essencial simular pressão, fadiga e defensores ativos. A eficácia depende de técnica, leitura de jogo, ritmo ofensivo, perceção espacial e controlo emocional.
Treinar muito é fundamental, mas treinar bem, integrando técnica, contexto, oposição e decisão, é o que faz lançadores eficazes, prontos para os desafios do jogo.