Em Espanha é hábito, por cá ainda não. Mas há quem aceite o desafio – como o Francisco Abreu, que promete deixar marca ao relatar a sua experiência nas Festas do Basquetebol Juvenil.
Fig. 01 Francisco Emanuel Loureiro Abreu Sporting Clube Figueirense
Aprender e Crescer como Treinador nas Festas do Basquetebol
Uma experiência intensa em Albufeira, ao lado da seleção Sub-14F de Coimbra, com reflexões sobre o talento, o modelo competitivo e o verdadeiro espírito do jogo.
Albufeira voltou a ser, pela 13ª vez, a capital do basquetebol juvenil português. As Festas do Basquetebol Juvenil de 2025 (FBJ25) decorreram entre os dias 9 e 13 de Abril, contando com 18 associações distritais de todo o país. No total, foram 72 seleções nos escalões de sub-14 e sub-16, tanto masculinos como femininos. É, assim, o maior evento desportivo juvenil realizado em Portugal, contando com milhares de participantes, incluindo treinadores, árbitros, dirigentes, membros de comitivas e familiares.
Para além da vertente competitiva, o evento – organizado pela Federação Portuguesa de Basquetebol - destaca-se pela solidariedade e fair-play, funcionando também como uma rampa de lançamento para novos treinadores, árbitros e oficiais de mesa. Eu estava nesta referida rampa, ansioso por me lançar nesta experiência.
A minha 1ª experiência nas FBJ: Desafios e Oportunidades
No meu pensamento, seria sempre a ocasião perfeita para aprender mais, conhecer pessoas que estão inseridas no meio, ver jogar os novos talentos e, acima de tudo, trocar ideias e partilhar informações sobre o jogo. Sempre vi o evento não só como o reconhecimento do trabalho dos melhores atletas de basquetebol em Portugal, como também o potencial reconhecimento do trabalho e esforço de todos os envolventes ao mesmo.
No meu caso, fui como adjunto da equipa de Sub-14 F da Associação de Basquetebol de Coimbra. Tínhamos como principalmente objetivo a manutenção na Divisão A. Este objetivo foi alcançado, contudo, era notório que esta equipa tinha valor para lutar pelo pódio. Além das seleções do Porto e Lisboa, enquadradas numa realidade completamente diferente das restantes, penso que este grupo estaria a lutar pelo pódio com Santarém e Associação de Basquetebol de Coimbra
Madeira. Infelizmente, o modelo de competição é injusto e “protege” quem tem as melhores classificações no ano anterior. Deste modo, é um modelo que não tem em consideração as possíveis alternâncias de qualidade entre gerações e acaba por não qualificar corretamente as seleções, acabando por ser, quase todos os anos, as mesmas finais.
Não estou com isto a querer criticar por completo o modelo definido, pois compreendo a dificuldade de organização de um outro mais extenso - em que todas as seleções jogavam entre si, criando uma loser’s bracket, ou jogando por jornadas em diferentes pontos do país – devido a tua a logística envolvente. A relevância das jornadas em diferentes pontos do país seria crucial para a atração de jovens para a modalidade. Por outro lado, não quero também que este artigo se foque no modelo de competição, mas sim nos principais desafios e oportunidades que vivi durante os 3 dias de competição
Principais desafios e dificuldades
Falando agora de basket, os principais desafios centraram-se em 3 partes: o aspeto mental do jogo, a tática individual ofensiva e a tática coletiva ofensiva. A nossa equipa não começou bem no 1º dia, contra a Associação de Basquetebol de Lisboa (ABL) e a Associação de Basquetebol do Porto (ABP). Demasiados turnovers e extrema ansiedade - visto que, para a maioria das atletas, era a 1ª vez que estavam a jogar neste contexto - que levaram a tomadas de decisão menos boas. De referir, no entanto, que a equipa teve uma resposta bastante positiva, garantindo 3 vitórias nos 3 restantes jogos disputados. Mostraram atitude competitiva, união e segurança no trabalho realizado.
Ao longo de todo o processo, que começou em Outubro e acabou em Abril, a nossa equipa técnica focou-se em trabalhar situações de 1c1, reações às penetrações, tomadas de decisão, leituras e bloqueios indiretos num sistema de “5 aberto”. Poderei partilhar o conteúdo de exercícios introduzidos nas unidades de treino para quem tiver interesse. Decido não colocar no presente artigo para não ficar demasiado extenso e, por outro lado, porque não é o tema principal do mesmo.
Da defesa individual para a coletiva
Na parte defensiva, trabalhámos a pressão constante na bola, a agressividade defensiva e o posicionamento consoante a posição da bola, preparando-as tanto individualmente como coletivamente. A importância de “saltar” para a bola quando defendemos o/a portador/a da mesma - evitando cortes pela frente - cortar as primeiras linhas de passe, posicionarmo-nos consoante o movimento da bola foram algumas das “regras” impostas à equipa. Contudo, apesar de coletivamente estar bem posicionadas e a adotarem os princípios referidos, individualmente éramos batidas com alguma facilidade.
De que nos vale defendermos bem coletivamente se depois não conseguimos parar ou condicionar o 1c1? Assim, nesta vertente, sinto que foi o nosso maior desafio. Não fomos capazes de condicionar os 1c1 constantes e falhámos na “luta nas tabelas”. Faltou-nos também maior agressividade no portador da bola e na reação à perda da mesma.
O 2c1: A importância da qualidade do passe e do spacing
Nas FBJ os jogos são de grande intensidade, onde todas as equipas pressionam campo inteiro e utilizam o 2c1. Neste contexto, ainda por cima em sub-14, não existem muitos momentos de “chegar a jogar” ou tática ofensiva organizada. É um contexto em que a qualidade das transições são a chave.
É aqui que entra a qualidade do passe e o spacing. Muito honestamente - e acho que é opinião de todos os treinadores – passamos muito mal a bola em Portugal – e isso reflete-se em turnovers e insucesso ofensivo. Daí a importância de trabalharmos do individual para o coletivo. Não nos vale de nada termos o playbook do século se a “Rita” não sabe driblar, passar e lançar. No capítulo do passe tenho de destacar – porque é um exemplo de que quando se domina os aspetos técnicos individuais do jogo, o coletivo será, inevitavelmente, mais forte - a “pequenina” da ABL, Matilde Nascimento, que domina estes fundamentos e, por consequência, é capaz de criar vantagens para as suas colegas de equipa.
O 2c1 feito por quase todas as seleções era mal executado, não esperando sequer pelo drible para o fazerem. Assim, deveria ser fácil de criar situações de 3c2, mudando rapidamente o lado da bola. O problema é que as atletas não têm noções de spacing e, a maior parte delas, não sabe passar a bola. Se isto é visível nas melhores do país, como será no contexto geral?
No nosso caso, colocámos as nossas “bases” a repor a bola em jogo na linha final. Queríamos que quem recebesse a bola, após trabalho de receção, não colocasse o drible, mas sim que fintasse o passe e colocasse a bola novamente nas bases, que se movimentavam somente com um passo para dentro de campo. Esta situação cria duas opções – Corredor central para a base jogar 1c1 ou mudar o lado da bola e criar uma situação de 3c2 (Figuras 02, 03 e 04 ). Infelizmente, muitas vezes não conseguimos ter o sucesso pretendido. Mas porquê? Nem tudo é explicado pela ansiedade inerente às atletas nestas idades. Não conseguimos porque não temos qualidade no passe e não nos sabemos posicionar corretamente em campo.
Figuras 02, 03 e 04 - Exemplo de saída de pressão 2c1 e potenciar situações de 3c2.
Para além do referido, é ainda evidente a dificuldade da tomada de decisão correta na maioria das vezes. Quando conseguíamos criar situações de vantagem numérica, não éramos ofensivas e, mais uma vez, o spacing não estava a ser respeitado.
Figura 5 - Tomada de decisão e spacing.
Figura 6 - Spacing e qualidade do passe
Oportunidades
É um evento onde estão reunidas diferentes “gentes” do basket nacional e é sempre bom podermos interagir diretamente com as mesmas. Tive a oportunidade de discutir sobre o jogo com diferentes pessoas, de diferentes associações e com ideias distintas das minhas. Gosto de falar com pessoas que não concordam comigo, ajudam-me a crescer e a aprender a ampliar a visão relativamente a determinados temas.
Mostrámos todo o trabalho desenvolvido, entregámos tudo em campo, dentro dos possíveis. Neste aspeto, o evento deu-me a oportunidade de mostrar o trabalho e esforço de toda a equipa técnica – da treinadora principal, Andreia Rebelo, e do treinador-adjunto, Tiago Espada – assim como também o referido “lançamento” para o panorama nacional.
Deu-me também a oportunidade de vivenciar toda a festa, completamente diferente dos tempos de Portimão. Vi e conheci alguns dos maiores talentos do desporto em Portugal e isso também me marcou pela positiva.
Contudo, apesar das diversas oportunidades referidas nada consegue alcançar a oportunidade de ter treinado um grupo como este. Desde as que saíram nos treinos de observação, das suplentes e das 12 selecionadas, todas elas marcaram o meu trajeto. Foi um grupo extremamente unido e a “remar” para o mesmo. Mesmo tendo algumas complicações pelo caminho (lesões de jogadoras influentes) conseguimos dar a volta e alcançar o honroso 5º lugar. Poderia falar de muito mais, mas – e como eu digo várias vezes – eu amo é o jogo e as atletas que treino diariamente, desde sub-10 a sub-14, e essa é a maior oportunidade que tive na vida.
Conclusão.
Foi uma experiência bastante positiva, com momentos que recordarei para sempre. Por outro lado, sinto que cada associação estava isolada de todas as outras. Este evento seria mais significativo se pudesse unir as pessoas das diferentes associações referidas.
A oportunidade de ver de perto os novos talentos foi crucial para concluir a ideia que tinha anteriormente à minha ida: Estamos a criar robôs e não jogadores inteligentes. Esta “tese” é bastante visível nas equipas de sub-16 em todo o país, em que os atletas ficam presos a set plays, acabando por nunca perceberem o jogo. Não exploram vantagens, não fazem leituras. Limitam-se a executar. Ora, sem o desenvolvimento destas habilidades, não vamos conseguir criar jogadores/as para o mais alto nível.
Creio que seja pertinente reforçar nesta secção a importância do trabalho de técnica individual para conseguirmos criar, posteriormente, uma equipa com maior qualidade. Se os/as atletas não são bons tecnicamente – ofensivamente e defensivamente – o coletivo será sempre mais fraco. Este trabalho tem de começar em sub-10, onde apoio a ideia do foco no manejo de bola e consolidar a apresentação dos fundamentos do jogo. Em sub-12 já temos de treinar como uma equipa de sub-14. Ensinar as reações à penetração, leituras, tomadas de decisão, trocas de posição e como jogar à mão, sem nunca, claro, continuar a trabalhar a técnica individual.
Tal como referi noutro artigo, a partilha de informação é crucial para o desenvolvimento do basquetebol em Portugal. Todos podem aprender com todos, ninguém sabe tudo nesta vida. Dito isto, seria interessante conseguirmos reunir todos, ou o possível, num jantar de encerramento que pudesse ser a mote para essa partilha.
Muito boa esta partilha. Parabéns Francisco Abreu. Vou tentar fazer o mesmo, quando finalizar o meu trabalho como selecionador da Sel. Sub-12 Masc. da AB Santarém.