Os Clinics de Grau 2, promovidos segundo os critérios da ENB, tiveram uma excelente adesão por parte dos meus formandos. Entre as intervenções, destacou-se a do treinador Pedro Silva, que, com coragem e originalidade, apresentou o inovador sistema TAG-UP Offensive Rebounding — uma abordagem ainda pouco explorada, focada na mudança imediata do “chip” para atacar a posse de bola.
Assente em dois pilares — ressalto ofensivo e pressão imediata sobre o adversário — o sistema visa transformar rapidamente uma situação de perda de bola numa nova oportunidade de ataque.
Como entusiasta das dinâmicas do jogo, esta proposta despertou em mim um forte interesse em aprofundar o tema.
Ressaltar, ou não ressaltar, eis a questão.
A estratégia ideal para atacar o ressalto ofensivo varia consoante a identidade da equipa e o seu ritmo de jogo. Equipas que jogam de forma pausada tendem a ser mais seletivas e a privilegiar o recuo defensivo, enquanto outras, com ritmo elevado, apostam numa abordagem agressiva ao ressalto.
Dean Oliver, analista da NBA, incluiu o ressalto ofensivo entre os quatro fatores fundamentais para o sucesso, destacando a sua importância para prolongar posses, criar desequilíbrios e compensar uma menor eficácia nos lançamentos.
Dominar esta ação requer competências como posicionamento antecipado, leitura da bola, movimentos técnicos para ganhar posição, sincronização no salto, mãos ativas e uma atitude combativa.
A maioria das equipas envia entre um e três jogadores ao ressalto ofensivo, mas abordagens mais ousadas, como a apresentada por Pedro Silva no recente clinic, podem envolver os cinco atletas. Um exemplo extremo é o modelo de Aaron Fearne, treinador dos Charlotte 49ers, que exige que todos ataquem o ressalto em cada lançamento. Assim que a bola é lançada, cada jogador deve identificar o seu adversário direto, iniciar contacto físico, manter os braços erguidos e empurrá-lo para dentro do garrafão — conceito conhecido como SCRUM.
Se o adversário sair em contra-ataque, a ordem é acompanhá-lo de imediato.
Esta filosofia, chamada “Cinco ao ressalto”, baseia-se numa abordagem coletiva, agressiva e bem coordenada.
Após o lançamento, cada jogador corre para as costas do seu defensor, posicionando-se pelo lado avançado — entre ele e o cesto — num movimento designado Tag Up.
Ao mesmo tempo, aplica-se o Scrum In, pressionando o defensor e disputando a posição de forma ativa. Esta estratégia não só aumenta as probabilidades de recuperar a posse, como também fortalece a transição defensiva, já que os emparelhamentos são mantidos. É um sistema exigente, que exige esforço físico, leitura rápida do jogo e total compromisso coletivo.
Ressalto Ofensivo vs Distância do Lançamento
Lluís Riera, treinador catalão, apresentou recentemente um estudo relativamente ao ressalto onde usou “machine learning” e imagens de vídeo para analisar a zona onde a bola tende a cair após um lançamento.
Constatou que quanto maior a distância do lançamento, menor a probabilidade de recuperar a posse da bola.
Ao contrário da crença comum, lançamentos de três pontos não geram mais ressaltos ofensivos que os de dois.
Os lançamentos próximos do cesto são os mais eficazes nesse aspeto. Ressaltos de longa distância são mais imprevisíveis, podendo ocasionalmente beneficiar o ataque.
Ritmo elevado e ressalto ofensivo: a fórmula do sucesso no basquetebol europeu
A análise de Lluís Riera mostrou que equipas com ritmo de jogo mais elevado tendem a ter maior sucesso no ressalto ofensivo. Clubes como BAXI Manresa, Valencia Basket e Paris Basketball exemplificam esta tendência. Esta abordagem tem ganho destaque no basquetebol europeu.
O “caos controlado” gerado por esse estilo favorece a recuperação da bola frente a defesas desorganizadas.
Ressalto ofensivo em lances livres: a oportunidade mais desperdiçada do jogo
Segundo os dados da Liga ACB 2024-25, a percentagem média de ressalto ofensivo em lançamentos livres falhados situa-se em cerca de 18%, valor significativamente inferior aos percentuais observados em lançamentos de campo.
Esta diferença explica-se pelas características específicas da situação: a defesa tem tempo para se posicionar corretamente, os ressaltadores ofensivos estão limitados pelo regulamento quanto à sua posição inicial e a proximidade do cesto favorece os defensores mais próximos.
Essas condições tornam o ressalto ofensivo em situações de lance livre especialmente desafiador, exigindo precisão no tempo de entrada, contacto físico legal e leitura eficaz da trajetória da bola.
O ressalto ofensivo após lançamento livre representa uma das situações mais previsíveis do basquetebol, mas paradoxalmente também uma das mais desaproveitadas por muitas equipas.
Atacar a partir da Defesa
Um excelente exemplo desta filosofia é o trabalho do meu amigo Miguel Ángel Ortega, com quem tive o privilégio de partilhar um clinic e com quem mantenho contacto regular. D
urante a sua passagem pelo Perfumerías Avenida, Ortega implementou uma identidade de jogo marcada pela intensidade defensiva e pela pressão imediata após a perda da posse.
O objetivo era claro: recuperar rapidamente a bola ou, no mínimo, dificultar a transição ofensiva do adversário, garantindo um equilíbrio defensivo eficaz. Esta mentalidade refletia-se no comportamento das suas equipas — defesa agressiva, pressão constante e entrega total em cada posse. Sob a sua liderança, o Perfumerías Avenida conquistou vários títulos, incluindo três Ligas Femininas e duas Taças da Rainha (2016–2018), sempre com a defesa como alicerce do sucesso.
A abordagem de Miguel Ángel Ortega está em sintonia com os princípios do eBook "Baloncesto: Presión tras pérdida", que destaca a importância de reagir de forma imediata à perda da posse de bola.
O objetivo é claro: recuperar rapidamente a bola ou, pelo menos, atrasar o contra-ataque adversário para permitir a reorganização defensiva.
Ortega resume bem essa filosofia: “Perder a bola é normal. Lutar para recuperá-la é o que fazem os campeões!”
Nos clinics, apresenta uma defesa reativa e coletiva, que começa logo após cada cesto, ressalto ou passe falhado.
Reformulou os treinos para reduzir interrupções, reforçar a atenção à bola e criar rotinas defensivas sólidas desde a formação.
Essa abordagem fortalece a leitura do jogo, a intensidade e a solidariedade defensiva — e, do lado ofensivo, valoriza a posse como um bem precioso. Inspirado também por outras modalidades, Ortega defende uma cultura de pressão imediata sustentada por hábitos consistentes e bem treinados.
Conclusão
O basquetebol é, acima de tudo, um jogo de hábitos. A diferença entre as equipas medianas e as excelentes reside na clareza sobre os hábitos que se pretendem criar e na forma como são estruturados com progressão e correção adequadas.
Atacar a partir da defesa significa transformar a perda da posse num momento de ação coletiva, agressiva e organizada, potenciando a leitura do jogo e a tomada de decisão.
Este processo deve ser iniciado desde as camadas jovens, para que se torne uma resposta natural e eficaz no mais alto nível competitivo.
Bibliografia:
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